quinta-feira, 25 de março de 2021

Trechos.

 Faz algumas vezes que ele vem me ver. Ele deve ter dificuldade de achar uma via que o convém. Ele é abandonado e cada vez que ele visa um novo projeto, sua análise extralúcida os faz perceber as falhas e os limites. Então ele procura outra coisa. Um dia, em curso de sessão, ele me diz: < Como pode você me compreender já que você não é sobredotado? Você terá seus limites. Você pode compreender a teoria, mas não o que eu vejo. > Ufa, é preciso o entender mesmo! E o integrar no avanço terapêutico. Senão é ruim, é o paciente que perde. 

Quando se é sobredotado, não se sente jamais, mas então jamais, superior aos outros. Bem ao contrário. E entretanto, esta idéia do sentimento de superioridade que se vivenciaria porque se é sobredotado martela tanto os espíritos... daqueles que não o são!

O que é verdade, no entanto, é que certos sobredotados                           < incham seu ego >. Eles desenvolvem uma personalidade que apareça suficiente, depreciativa por vezes. Eles dão a imagem de pessoas que se pensam tão acima da massa. Mas não nos enganemos a respeito! Como a rã da fábula de La Fontaine que queria se fazer tão grande quanto o boi, o sobredotado que parece pretensioso é o mais vulnerável entre todos. Sua suficiência tenta esconder seu sentimento de impotência, de profunda fragilidade. Aquele tem medo. Ele é aterrorizado pela idéia de ser rejeitado. Se ele adota este tipo de comportamento, significa que ele não vai bem. Que ele sofre.   

A lucidez sobre o mundo e sobre si abre as portas de uma compreensão chocante e afiada. A potência desta lucidez pode ser dolorosa mas ela é também a fonte de uma visão das coisas que se poderia finalmente qualificar de extralúcida.

Mas eu não posso me impedir de estar frequentemente entristecida de ver quantos os que a diferença resta invisível a olho nu, cuja diferença não parece de imediato a um deficiente, cuja diferença suscita mais inveja do que piedade, enfim que todos os sobredotados que sofrem em silêncio não sejam jamais (muito raramente) levados em conta pela nossa sociedade do século XXI. A aflição desse adultos e seus problema de integração, de vida por vezes, devem suscitar, se não a compaixão, ao menos a compreensão. E, ao risco de ser taxada de elitismo, eu ouso afirmar que seria tão satisfatório, também, de não esperar o sofrimento, o extravio, a marginalização, para que nossa sociedade compreenda toda a riqueza desses sobredotados e todo o benefício que nos podemos todos retirar de sua sensibilidade do mundo e de sua inteligência atípica! Que desperdício! E dizer que alguns pensam ainda que os sobredotados são aqueles que bem sucedem brilhantemente, aqueles que ganham os concursos de nossas escolas mais prestigiosas, aqueles que ocupam os lugares os mais desejados de nossa sociedade! Como continuar a pensar coisas parecidas? O que é certo, é que aqueles que pensam que ser sobredotado deve somente ser considerado como uma sorte ignoram tudo de suas personalidades frágeis e sensíveis que não pedem que uma coisa: conseguir, elas também, ser amadas e aceitas, como elas são.

A inteligência excessiva é um duplo mal: ela faz sofrer e ninguém não pensa a lastimar daquele que sofre. Pelo contrário, ela pode suscitar inveja e agressividade e ampliar assim o sofrimento. Não se dirá jamais de alguém: <Ele é simpático, mas pobre, ele é muito inteligente!>. Então, como compatibilizar com aqueles cuja inteligência parece toda-potente? Pode-se chegar a integrar, como escreveu Malraux em A condição humana: : <O homem sofre porque ele pensa.>

A falha espaço-temporal:

viver em vários espaços-tempos 


< Isto se complica ainda. O sobredotado se sente multiidade, mas ele se situa igualmente em vários espaços-tempos: passado-presente-futuro. Tempo do vivido individual, mas que é também recolocado no contexto do espaço-tempo do universo. Tomar uma decisão no aqui e agora torna-se muito difícil por este levar em conta o antes, o depois, mas também o outro lugar. A perspectiva de si é muito diferente pois relativizada na escala do tempo e do espaço.

Isto corresponde à impossibilidade para o sobredotado de se desatar do contexto. Sua existência, sua razão de ser e de viver, é dependente dA Vida, com um A e um V maiúsculos. Sua pequena vida é religada ao sentido do mundo. Mesmo se o sentido o escapa, ele não pode se considerar como isolado do resto. Toda sua vida pessoal, insignificante, é perpetuamente colocada em perspectiva à escala do universo. Para o sobredotado, somente esta perspectiva universal e intemporal pode ter sentido e dar sentido à vida comum de cada um.

É evidente que esta visão das coisas, de sua vida como de si, engendra interrogações de respostas impossíveis. E que elas levam, inexoravelmente, a abismos de angústia sem nome.

Para um sobredotado, existe assim raramente um acordo íntimo entre o que ele é e o que ele faz. Persiste uma distância, tão ínfima seja ela, que cria certo desconforto que conduzirá seja à ultrapassagem de si, seja a uma aceitação obrigada, fonte de frustração.

Para se liberar, alguns sobredotados vão pegar o contra-pé: em sobreestimando sua importância e sua vida, eles tentam desafiar questões que os atormentam. Elas estão sufocadas, ele não as entende mais, preocupado que ele está de magnificar sua existência e sua pessoa. Não nos enganemos. É uma hipocrisia. Útil por vezes, pois protetora. Frágil sempre, pois não colocando jamais ao abrigo de um tremor interior ou de uma sacudida exterior que fará remontar ao mais profundo de si mesmo a essência mesmo de seu ser. 


O tempo:

estar sempre deslocado


O tempo fala de movimentos. De ritmo. No sentido onde certos movimentos são mais rápidos que outros. Que movimentos mais lentos sucedem os ritmos acelerados. Estar no tempo, é estar no movimento da vida, calçado no mesmo ritmo que todo mundo.

O tempo é o problema central do sobredotado: ele não está jamais no bom tempo! Ele não está jamais sincronizado com o movimento geral. Ele está em diferença permanente: em avanço, ou não-atividade. Em atraso, ou parado.


• Em avanço, ele vai geralmente muito, muito mais rápido. Para perceber, para analisar, para compreender, para sintetizar. Abraçando um perspectiva ampla todos os dados de um problema, de uma situação. Por intermédio de seus sentidos sempre em alerta e que captam, tratam, integram os menores detalhes presentes. Dotado daquela empatia que confina às vezes tanto ao masoquismo as emoções dos outros vividas por procuração... Então, o sobredotado tem uma perspectiva visionária: ele dá o resultado quando os outros arrancam, ele compreende quando a formulação da questão não terminou, ele sabe o que fazer ao passo que cada um interroga, ele vai muito rápido! O ritmo dos outros parecem a ele nestes momentos a uma velocidade reduzida. O movimento da vida parece a ele dormente.

Um avanço que o estorva pois ele está frequentemente sozinho sem ninguém com quem partilhar. Um avanço que o obriga a esperar, a ver os outros fazerem, a encontrar seus passos falsos ao passo que ele já o sabe. Mas o que dizer, como dizer em permanência o que é preciso fazer e como o fazer sem passar por um ser orgulhoso e convencido? Sem passar por aquele a quem se diz: “De toda maneira, você tem sempre razão.” Mas nesta frase muito de agressividade escondida, de rivalidade, de inveja, de ciúmes. De irritação também.

A duração do avanço do sobredotado pode se revelar num grande número de setores da vida pessoal ou profissional. Em avanço sobre os outros, em avanço sobre seu tempo, em avanço em sua vida. Ter idéias revolucionárias, é bom, mas é preciso as < fazer passar > em as justificando. Mais difícil. Saber, antes que outro tenha acabado, o que ele vai dizer, irritante para aquele que fala, que se sente violado na sua intimidade. Compreender antes e melhor que aquele < suposto saber > pode se revelar dramático na empresa... Pode-se multiplicar os exemplos ao infinito. Todos estes momentos de vida < deslocados > e finalmente desconfortáveis. Estar em avanço, por que fazer?


• Imobilizado ou em não-atividade: são todos estes momentos onde a hiperpercepção do ambiente pode colocar em epígrafe um minúsculo detalhe sobre o qual o sobredotado fixa sua atenção. Ao passo que os outros continuam a avançar, que o ritmo da discussão prossegue, que a vida caminha, o sobredotado, ele, fica imobilizado. Cativo. Este ínfimo detalhe que não interessa a ninguém, que ninguém mesmo o reparou, a ele parece de uma importância capital. Para ele, se se não leva em conta esta pequena parte do problema, da situação, não se chega a um resultado satisfatório. Passa-se de lado. Então ele para, examina, reflete, tenta integrar este segmento do real. Os outros estão longe, ele está sempre lá.


• O atraso é uma outra forma de deslocamento. Uma nobre forma. Desta vez aqui é a hiperconscientização da vida que não coloca o sobredotado no mesmo tempo. Para ele, alguns conferem uma importância desmesurada a valores que parecem a ele tão subsidiários. Que estes sejam valores de sucesso, de dinheiro, de bens materiais. Ele tem por vezes a impressão que numerosas pessoas correm permanentemente sem fim verdadeiro. Sem darem sentido às suas vidas. E que elas vão muito rápido sem se colocar as questões essenciais: onde eu vou a esta velocidade? Por que fazer? O que eu procuro absolutamente obter? Quais são minhas prioridades? Será que esta corrida-perseguição desenfreada me levará à felicidade? etc. Então o sobredotado os deixa correr mas progride mais lentamente.  Considerando o tempo do que ele considera como                        < verdadeiras > coisas. Ele pode atrasar-se na contemplação de uma paisagem, de uma obra de arte, de um espetáculo da natureza, da rua, dos homens. Ele pode se colocar numa discussão, num encontro que ele deseja viver plenamente. Ele pode sonhar com fantasia, nostalgia, jubilação, eventos passados ou projetos futuros. E tomar o tempo todo para isso. O tempo de viver talvez. Plenamente. Mas isto é, não está mais no tempo e ele observa chispar a plena velocidade, como na margem de uma autoestrada, esta via que ele aborda por um menor caminho.


O sobredotado raramente está no bom tempo e esta diferença procura uma desagradável sensação de estranheza e, paradoxalmente, de incompreensão do  mundo. 

Uma diferença no tempo gera sempre problemas de comunicação com os outros: não se compreende, não se está sincronizado.

Não estar certo sobre o mesmo tempo: o grande malentendido com o mundo! >