terça-feira, 27 de março de 2018

traduções. notas. Da obra de J. Siaud-Fachin.

Quando se é sobredotado, não se sente jamais, então jamais, superior aos outros. E, entretanto, esta ideia do sentimento de superioridade que se vivenciaria porque se é sobredotado martela tanto os espíritos... daqueles que não o são!

conexão com as emoções
'É preciso que eu esteja conectado com as minhas emoções para poder dizer as coisas. Se me pedem num segundo momento minha idéia sobre qualquer coisa, eu não sei mais, pois eu não estou mais conectado com a alquimia de meu pensamento.', diz um sobredotado. 
A impossibilidade de dizer sem estar totalmente conectado ao seu pensamento, aqui e agora do que se deseja exprimir.
O tempo: estar sempre deslocado
O sobredotado raramente está no tempo certo e esta diferença gera uma desagradável sensação de estranheza e, paradoxalmente, de incompreensão do mundo. 
Uma diferença no tempo gera sempre problemas de comunicação com os outros: não se compreende, não se está sincronizado.
Não estar certo sobre o mesmo tempo: o grande malentendido com o mundo! 
Forma atípica de funcionamento intelectual. Levar em conta este funcionamento sob duas versões: intelectual e afetivo. Planos afetivo e cognitivo. Estão intrincadas. 
Esqueçamos de imaturidade, e falemos de hipermaturidade. O sobredotado é um ser profundamente afetivo. Eis o que lhe dá por vezes este qualificativo de imaturo.É um camaleão, para ajustamento às pressões do ambiente. Ele joga com sua inteligência e sua sensibilidade para sua adequação ao mundo.
Pode ser deprimido, pois tenta ser no exterior diferentemente do que vive no seu interior, por medo de ser rejeitado.
Ingenuidade marcante, expressão da credulidade. Ele crê no maravilhoso, no mágico.
O entusiasmo, uma imensa energia a consumir sem moderação.
Hiperativação cerebral: tempestade sobre um crânio.
Sintaxe correta, vocabulário rico e elaborado, desde muito cedo em idade. Borbulhamento cerebral difícil a canalizar.
Todas as informações são tratadas ao mesmo tempo e no mesmo nível de importância, e tem-se a impressão de perder as idéias essenciais. As conexões não são tratadas numa zona cerebral distinta (o que se observa atualmente com as localizações funcionais).
Quando se tenta agarrar uma idéia, ela já está muito longe e outras centenas surgiram. Como, enfim, liberar-se da carga emocional que se ativa no mesmo ritmo que os neurônios e que provoca o pensamento nas zonas ainda mais longínquas?
Sempre dependente do contexto afetivo, não podem funcionar sem levar em conta a dimensão e a carga emocionais presentes. Estilo cognitivo diferente, que não tem a mesma eficácia intelectual e tem um vínculo com o traço de personalidade.
Sendo o contexto carregado de informações, em particular emocionais, ele não chega a canalizar sua atenção. Ele se coloca em 'modo vigia' e não permite entrar em seu cérebro senão o mínimo de informações vitais... Neste momento, tem-se a impressão de que ele não escuta, de que ele não está lá! Por vezes, prejudicial para ele e muito provocante para o meio. Ele está em modo econômico! Então, para se fazer entender, será preciso repetir um grande número de vezes!
Do muito pensar à impulsividade: uma particularidade de funcionamento na origem de conflitos inúteis.
Insatisfação crônica do sobredotado. Necessidade de mudar constantemente de profissão, sem jamais verdadeiramente encontrar o seu lugar. Como decidir e não renunciar? Nas entrelinhas se desenha uma forma de sentimento de tudo-poder: eu gostaria de tudo fazer! Fonte de sentimento que não o deixa jamais em paz. Tudo é constantemente repensado e colocado em questão. Uma armadilha desta singular forma de pensar, sem relaxamento.
Tédio. Para o sobredotado, é necessário que a vida seja sempre brilhante, fatos de novos acontecimentos, emoções fortes, alegrias intensas, êxitos sublimes... Com o coração e a cabeça, com o desejo no ventre. Tudo com o mesmo objetivo, o único válido para o sobredotado: um objetivo profundamente humanista.
Hiperatividade (ou mais adequado, sobreatividade, para naõ confundir com a patologia denominada hiperatividade): a outra face do tédio.
Impaciente de esperar os outros. A impaciência é tão penosa a suportar com todo seu cortejo de sensações físicas e psíquicas, mas tb com todas as críticas, os ataques que ele suscita. Eis o risco: desinvestir. Torna-se passivo. Não implicado. Ele não tem mais opinião. Retiro pensalizante.
Encontra-se constantes: a instabilidade amorosa.
Necessidade de estimulações amorosas constantes. O que o motiva: se sentir livre! São escapatórias ao tédio existencial.


O sentimento do outro: muito próximo do que vive o outro, na sua impotência de ajudá-lo, o sobredotado se afasta. Tenta bloquear ao máximo toda receptividade emocional para não mais sentir. Uma forma de sobrevivência... jamais uma falta de compaixão.
A inversão: não sentir mais nada.
A imensa solidão: nascida dessa distância sempre sentida entre si e o mundo, entre si e os outros. O sobredotado, de sua torre de controle, observa as falhas, as fragilidades, os limites...
Um engajamento absoluto. O sobredotado investe a fundo no outro, na relação, na confiança. A noção de amigo é uma noção absoluta.
- Singularidades nos processos neurofisiológicos da percepção sensorial.
- Tentar comunicar-se, enquanto não se funciona segundo os mesmos processos.
- A criança sobredotada, mesmo acabando silenciosa, tem necessidade de ser perpetuamente tranquilizada. Funcionamento fora das normas escolares.
- Relação com o mundo sempre singular.
- Vive ataques injustificados, desde criança, sobretudo na escola.
- Um déficit de inibição latente que obriga o sistema cerebral a integrar todas as informações provenientes do exterior sem uma seleção prévia. Ele tem a cabeça cheia.
- A precisão absoluta é fundamental, compreensão literal das coisas. É preciso explicar o contexto para que ele compreenda. Senão ele não compreende, ou compreende de outra forma. Aqui está a fonte de malentendidos penosos. No meio profissional, relação de forças se entabula com um patrão ou colaborador.
- Dificuldade de referências identificatórias, e quando criança se constrói geralmente sozinho.
- Sente-se todo-potência, e por outro lado, frágil e vulnerável.
- A impossível certeza: cada nova resposta atrai uma nova questão. Então, a dúvida é permanente e sobre todos os assuntos. Este modo de funcionamento acarreta uma forte problemática em torno da escolha. Escolher é renunciar... E os outros insistem na idéia de que não há mais a escolha de... não escolher!
Compreende-se o quanto a inteligência é ansiogênica.
- A resistência ao sentimento amoroso é muito forte, e deve-se ao medo. Medo de soltar todos os diques, de revelar sua vulnerabilidade e sensibilidade, de sofrer.
Única saída: sabotar a inteligência. Trata-se realmente de um ataque de si, de um retorno agressivo contra si mesmo.
A inibição intelectual lhe permite igualmente se recobrir com uma máscara de pseudo-debilidade que o ajuda a passar despercebido.
As faíscas de pensamento reacendem esta vivacidade intelectual sempre intacta e a qual, apesar de tudo, o adulto sobredotado continua a se conectar. Em segredo.
O atraso é uma outra forma de deslocamento. Para ele, alguns conferem uma importância desmesurada a valores que parecem a ele tão subsidiários, que estes sejam valores de sucesso, de dinheiro, de bens materiais.

Deseja ser verdadeiramente compreendido pelo que se é e ser aceito nas suas singularidades. Isto supõe um ajustamento constante.
Ficou constatada a quase-invisibilidade destes alunos na sala de aula, dentro de suas próprias famílias e, inclusive, para eles próprios. Existem fatores que impedem seu reconhecimento e atendimento na sala de aula e outros ambientes sociais ou laborais. Um desses fatores é o desconhecimento e a falta de valorização (ou a supervalorização) das características e comportamentos destas pessoas, o que significa a negação de suas necessidades enquanto sujeitos aprendentes, que juntamente com os mitos populares existentes numa sociedade que procura a 'normalidade' e a regra, mitos de igualdade impostos, geram inaceitação que se refletem em todo o ambiente no qual a pessoa sobredotada vive.
Quando é reconhecida, pode gerar medo, ódio, inveja ou supervalorização, por manter-se a ideia que, por ser SD, não precisa de atenção.
Em ambientes socioeconômicos e culturalmente desfavorecidos, encontra-se ainda o que Guenter (2006) denomina de Impotência Aprendida, que faz com que as SD se sintam incapazes de dar respostas adequadas às demandas das estruturas de poder porque o que elas produzem, pensam ou dizem, mesmo quando são produtos ou ideias dignos de destaque, não são reconhecidos como indicadores de uma capacidade superior, mas considerados como uma exceção ou atribuídos à sorte, ao acaso, a alguma ajuda humana ou supra-humana.
O mesmo acontece nos ambientes laborais, nos quais a pessoa sobredotada geralmente desenvolve tarefas ou atividades rotineiras, que estão aquém a sua capacidade de desempenho.

***
A falha espaço-temporal:
viver em vários espaços-tempos

< Isto se complica ainda. O sobredotado se sente multiidade, mas ele se situa igualmente em vários espaços-tempos: passado-presente-futuro. Tempo do vivido individual, mas que é também recolocado no contexto do espaço-tempo do universo. Tomar uma decisão no aqui e agora torna-se muito difícil por este levar em conta o antes, o depois, mas também o outro lugar. A perspectiva de si é muito diferente pois relativizada na escala do tempo e do espaço.
Isto corresponde à impossibilidade para o sobredotado de se desatar do contexto. Sua existência, sua razão de ser e de viver, é dependente dA Vida, com um A e um V maiúsculos. Sua pequena vida é religada ao sentido do mundo. Mesmo se o sentido o escapa, ele não pode se considerar como isolado do resto. Toda sua vida pessoal, insignificante, é perpetuamente colocada em perspectiva à escala do universo. Para o sobredotado, somente esta perspectiva universal e intemporal pode ter sentido e dar sentido à vida comum de cada um.
É evidente que esta visão das coisas, de sua vida como de si, engendra interrogações de respostas impossíveis. E que elas levam, inexoravelmente, a abismos de angústia sem nome.
Para um sobredotado, existe assim raramente um acordo íntimo entre o que ele é e o que ele faz. Persiste uma distância, tão ínfima seja ela, que cria certo desconforto que conduzirá seja à ultrapassagem de si, seja a uma aceitação obrigada, fonte de frustração.
Para se liberar, alguns sobredotados vão pegar o contra-pé: em sobreestimando sua importância e sua vida, eles tentam desafiar questões que os atormentam. Elas estão sufocadas, ele não as entende mais, preocupado que ele está de magnificar sua existência e sua pessoa. Não nos enganemos. É uma hipocrisia. Útil por vezes, pois protetora. Frágil sempre, pois não colocando jamais ao abrigo de um tremor interior ou de uma sacudida exterior que fará remontar ao mais profundo de si mesmo a essência mesmo de seu ser.


O tempo:
estar sempre deslocado

O tempo fala de movimentos. De ritmo. No sentido onde certos movimentos são mais rápidos que outros. Que movimentos mais lentos sucedem os ritmos acelerados. Estar no tempo, é estar no movimento da vida, calçado no mesmo ritmo que todo mundo.
O tempo é o problema central do sobredotado: ele não está jamais no bom tempo! Ele não está jamais sincronizado com o movimento geral. Ele está em diferença permanente: em avanço, ou não-atividade. Em atraso, ou parado.

• Em avanço, ele vai geralmente muito, muito mais rápido. Para perceber, para analisar, para compreender, para sintetizar. Abraçando um perspectiva ampla todos os dados de um problema, de uma situação. Por intermédio de seus sentidos sempre em alerta e que captam, tratam, integram os menores detalhes presentes. Dotado daquela empatia que confina às vezes tanto ao masoquismo as emoções dos outros vividas por procuração... Então, o sobredotado tem uma perspectiva visionária: ele dá o resultado quando os outros arrancam, ele compreende quando a formulação da questão não terminou, ele sabe o que fazer ao passo que cada um interroga, ele vai muito rápido! O ritmo dos outros parecem a ele nestes momentos a uma velocidade reduzida. O movimento da vida parece a ele dormente.
Um avanço que o estorva pois ele está frequentemente sozinho sem ninguém com quem partilhar. Um avanço que o obriga a esperar, a ver os outros fazerem, a encontrar seus passos falsos ao passo que ele já o sabe. Mas o que dizer, como dizer em permanência o que é preciso fazer e como o fazer sem passar por um ser orgulhoso e convencido? Sem passar por aquele a quem se diz: “De toda maneira, você tem sempre razão.” Mas nesta frase muito de agressividade escondida, de rivalidade, de inveja, de ciúmes. De irritação também.
A duração do avanço do sobredotado pode se revelar num grande número de setores da vida pessoal ou profissional. Em avanço sobre os outros, em avanço sobre seu tempo, em avanço em sua vida. Ter idéias revolucionárias, é bom, mas é preciso as < fazer passar > em as justificando. Mais difícil. Saber, antes que outro tenha acabado, o que ele vai dizer, irritante para aquele que fala, que se sente violado na sua intimidade. Compreender antes e melhor que aquele < suposto saber > pode se revelar dramático na empresa... Pode-se multiplicar os exemplos ao infinito. Todos estes momentos de vida < deslocados > e finalmente desconfortáveis. Estar em avanço, por que fazer?

• Imobilizado ou em não-atividade: são todos estes momentos onde a hiperpercepção do ambiente pode colocar em epígrafe um minúsculo detalhe sobre o qual o sobredotado fixa sua atenção. Ao passo que os outros continuam a avançar, que o ritmo da discussão prossegue, que a vida caminha, o sobredotado, ele, fica imobilizado. Cativo. Este ínfimo detalhe que não interessa a ninguém, que ninguém mesmo o reparou, a ele parece de uma importância capital. Para ele, se se não leva em conta esta pequena parte do problema, da situação, não se chega a um resultado satisfatório. Passa-se de lado. Então ele para, examina, reflete, tenta integrar este segmento do real. Os outros estão longe, ele está sempre lá.
• O atraso é uma outra forma de deslocamento. Uma nobre forma. Desta vez aqui é a hiperconscientização da vida que não coloca o sobredotado no mesmo tempo. Para ele, alguns conferem uma importância desmesurada a valores que parecem a ele tão subsidiários. Que estes sejam valores de sucesso, de dinheiro, de bens materiais. Ele tem por vezes a impressão que numerosas pessoas correm permanentemente sem fim verdadeiro. Sem darem sentido às suas vidas. E que elas vão muito rápido sem se colocar as questões essenciais: onde eu vou a esta velocidade? Por que fazer? O que eu procuro absolutamente obter? Quais são minhas prioridades? Será que esta corrida-perseguição desenfreada me levará à felicidade? etc. Então o sobredotado os deixa correr mas progride mais lentamente. Considerando o tempo do que ele considera como < verdadeiras > coisas. Ele pode atrasar-se na contemplação de uma paisagem, de uma obra de arte, de um espetáculo da natureza, da rua, dos homens. Ele pode se colocar numa discussão, num encontro que ele deseja viver plenamente. Ele pode sonhar com fantasia, nostalgia, jubilação, eventos passados ou projetos futuros. E tomar o tempo todo para isso. O tempo de viver talvez. Plenamente. Mas isto é, não está mais no tempo e ele observa chispar a plena velocidade, como na margem de uma autoestrada, esta via que ele aborda por um menor caminho.
O sobredotado raramente está no bom tempo e esta diferença procura uma desagradável sensação de estranheza e, paradoxalmente, de incompreensão do mundo. 
Uma diferença no tempo gera sempre problemas de comunicação com os outros: não se compreende, não se está sincronizado.
Não estar certo sobre o mesmo tempo: o grande malentendido com o mundo! >

Um pouco mais sobre o sobredotado.
A inteligência excessiva e atípica é um duplo mal: ela faz sofrer e ninguém não pensa a lastimar daquele que sofre. Pelo contrário, ela pode suscitar inveja e agressividade e ampliar assim o sofrimento. Não se dirá jamais de alguém: "Ele é simpático, mas, pobrezinho, ele é muito inteligente"!

Ele abandona e cada vez que ele visa um novo projeto, sua análise extralúcida os faz perceber as falhas e os limites. Então ele procura outra coisa. Um dia, em curso de sessão, ele me diz: < Como pode você me compreender já que você não é sobredotado? Você terá seus limites. Você pode compreender a teoria, mas não o que eu vejo. > Ufa, é preciso entendê-lo mesmo!.

.... esta idéia do sentimento de superioridade que se vivenciaria porque se é sobredotado martela tanto os espíritos... daqueles que não o são!
O que é verdade, no entanto, é que certos sobredotados < incham seu ego >. Eles desenvolvem uma personalidade que apareça suficiente, adotam este comportamento. Eles dão a imagem de pessoas que se pensam tão acima da massa. Mas não nos enganemos a respeito! O sobredotado que parece pretensioso é o mais vulnerável entre todos. Sua suficiência tenta esconder seu sentimento de profunda fragilidade. 
A lucidez sobre o mundo e sobre si abre as portas de uma compreensão chocante e afiada. A potência desta lucidez pode ser dolorosa mas ela é também a fonte de uma visão das coisas que se poderia finalmente qualificar de extralúcida.
Sua sensibilidade do mundo e de sua inteligência atípica! Que desperdício! ... cuja diferença suscita mais inveja do que compaixão, enfim todos os sobredotados que sofrem em silêncio não são jamais (muito raramente) levados em conta pela nossa sociedade do século XXI.

***
Faz algumas vezes que ele vem me ver. Sua análise extralúcida os faz perceber as falha e os limites.  Um dia, em curso de sessão, diz: < Como pode você me compreender já que você não é sobredotado? Você terá seus limites. Você pode compreender a teoria, mas não o que eu vejo. > Ufa, é preciso o entender mesmo! 
A lucidez sobre o mundo e sobre si abre as portas de uma compreensão chocante e afiada. A potência desta lucidez pode ser dolorosa mas ela é também a fonte de uma visão das coisas que se poderia finalmente qualificar de extralúcida